domingo, 12 de outubro de 2008

Infelizmente, parei de vez com este blog. No entanto, atualizarei sempre um outro:

www.viscerasliterarias.com

Tem relação com literatura, mas se trata de um blog exclusivamente jornalístico, apresentando, principalmente, notícias do mundo literário.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Tia Eufrânia

É uma cena admirável, realmente bela, apesar de fúnebre. Por isso, claro, tratava-se de um enterro. Curioso, porém, era vislumbrar este meu próprio enterro, como a um narrador-observador de algum tipo de romance, ou, ainda, de um deus onipresente.

Via-se, primeiramente, e antes até mesmo do belo caixão em madeira, minha cara de defunto, quase a sorrir da morte; apesar de artificialmente corada, ainda era possível perceber a palidez do rosto. Mas, estranhamente, nunca tinha me visto tão elegante. Seria um pecado deixar-me desarrumado justo numa data tão importante, quando vários amigos, parentes, inimigos e interesseiros irão me prestigiar.

A primeira a chegar, sem dúvida, seria minha tia Eufrânia; uma senhora dos seus oitenta e dois anos que, por uma crueldade da vida de mágoas, desde os setenta aparentava uns noventa; nunca casou, nunca teve filhos – e acredita-se, inclusive, nunca ter namorado –, não tem amigos e nenhum parente ousava qualquer aproximação, exceto eu. E eis que, enquanto penso na tal senhora, vejo um táxi parando por perto, do qual sai minha citada tia, acompanhada – pasma-se – de seu gato preto. faltava isso, um maldito felino presenciando um evento de tamanha importância. Ela, com o rosto colado ao bicho e apertando-o com força, cola-se ao caixão, observando, enquanto chora muito, seu sobrinho querido. Começa a aproximar a mão, tentando sentir um pouco de meu rosto, quando chega minha mulher correndo aos tropeços com seu recém-comprado sapato preto, gritando, euforicamente. “Pare! Agora! A maquiagem, dona Eufrânia, você vai acabar com a maquiagem!”, esperneava minha digníssima esposa. Ela, diferente de mim, não estava nada elegante. Usava um medonho vestido preto, todo bordado, com tanto pano que a deixava mais inchada do que é. Aposto que sua enorme calcinha também era preta e bordada, para combinar com a roupa de pavão. Até minha tia estava mais contemporânea do que a viúva.

Em seguida, aproximou-se do local um casal de meia-idade, indo falar diretamente com minha esposa. A mulher, que eu não conhecia, estava, estranhamente, com um vestido verde – e um belo decote, ainda mais visto de cima. O homem, de terno cinza e gravata azul, reconheci logo como sendo meu chefe. Ficaram um minuto, apenas. Claro, chefes canalhas nunca ficam para o enterro de seus empregados. Ao saírem, no entanto, cinco pessoas chegaram de vez. Todos parentes. Todos insuportáveis. Fizeram quase uma fila para cumprimentar a senhora pavão com o clichê dos “pêsames” – ou seriam felicitações? –, enquanto, ao mesmo tempo, olhavam-se uns aos os outros, comparando seus ternos e vestidos da moda fúnebre. Depois, apareciam, com atraso, colegas de trabalho, amigos dos familiares, um ou outro primo com seus filhos brincando de pega-pega no gramado. Mas, a visita que chamou realmente minha atenção foi uma mulher com seus quarenta anosou talvez uns trinta e nove, que sou péssimo para contas de cabeça –, magra, com um vestido de seda, simples, mas belo. Seus cabelos tingidos de loiro quase me fizeram não reconhecê-la. Era uma ex-noiva minha. Larguei-a justo no dia do casamento, quando ela estava vestida, de branco. Era a última vez que a tinha visto, até hoje, para vê-la de preto.

Pronto, estavam todos . Alguns por obrigação, outros por falta do que fazer, uns dois por gostar de ir a enterros e apenas um por gostar de mim. Então, era hora de iniciar a caminhada até o local onde me deixarão enterrado. Funcionários do cemitério seguraram as alças do caixão e pediram, quase que educadamente, para a viúva não apoiar suas gorduras nele, facilitando o transporte. Repentinamente, apareceu um garotinho de terno segurando um aparelho de som portátil; limpou a testa de suor e deu uma cutucada em minha esposa. “ é a hora de colocar a música triste?”, perguntou, ofegante. “Sim, sim, pras pessoas começarem a fingir choro logo.”, respondeu-lhe a viúva, bem baixinho. Apertou um botão e começou a rodar um cd. A primeira música era... a marcha nupcial! Todos fizeram cara de espanto, minha mulher ficou pálidaum pouco mais que eu, inclusive –, a ex-noiva estremeceu toda e quase desmaia e tia Eufrânia ficou bem animadinha. “Desculpem, cd errado”, esclareceu, timidamente, o garoto. Logo em seguida alguma sinfonia fúnebre começou a tocar.

Havia no local do enterro uma pequena tenda para proteger do sol, onde todos se espremiam. Em seguida, apareceu um padre gordo e baixinho, ajeitando os óculos enquanto caminhava apressado. Reparando seu atraso, preferiu logo dar início às palavras. Enquanto isso, boa parte dos presentes olha insistentemente para o relógio de pulso; a ex-noiva, séria e sem lágrimas, joga uma rosabrancaem cima do caixão fechado e vai embora; minha esposa, por outro lado, cai em prantos estridentes, para mostrar a todos que se importava muito comigo. Belo fingimento!

Finalmente, era hora de descer o caixão. Nesse momento, os meninos pararam o pega-pega para, curiosos, assistirem ao meu soterramento. O padre deu a última bênção, ajeitou novamente os óculos e saiu apressado para outro enterro. Alguns dos parentes foram logo embora, fugindo do aperto. Quase todo o resto saiu após cobrirem-me de terra por inteiro.

No final, como esperado, restou tia Eufrânia.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Dinossauro travestido de Papa

Caros senhores e senhoras fiéis a Deus, dedico este sermão à belíssima recém-lançada Campanha da Fraternidade 2008, com o temaFraternidade e Defesa da Vida”. Reitero, aqui, em vossa presença, a importância da união católica para impedir o desrespeito à vida, proposto, indecentemente, por alguns segmentos da sociedade que defendem a descriminalização do aborto.

– Ô, padre, me explique uma coisa: você pari?

Como assim?!

– É isso mesmo que perguntei. Você, por acaso, aloja um ser em sua barriga por nove meses, deforma seu corpo, entra em trabalho de parto, dá à luz?

Mas é claro que não! Sou um servo do senhor na Terra, comprometido unicamente com Deus, e, por isso, nem casar posso, quanto mais ter um filho gerado por mim, um homem.

– E quem manda na Igreja são homens, certo?

Certo.

Então, afinal, por quê vocês se intrometem num assunto que deveria ser discutido pelas mulheres?

...

Isso é um absurdo! O senhor está indo contra a palavra de Deus! Ele, todo poderoso, criador do céu e da terra, é o único que pode decidir pela vida e pela morte. Por isso, apoio veementemente a campanhaFraternidade e Defesa da Vida”!

Realmente, defesa da vida é importante. Poxa, essa discussão me fez suar. Do jeito que a gente fica quandoperto de fogueiras, sabe? Aquelas de inquisição, por exemplo, entende? É, defesa da vida.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Deus voyeur

Deus meu, senhor do céu e da terra, todo poderoso, ó grande pai, por qual motivo, afinal, não viajo? O quê, enfim, fez-me permanecer aqui, nesta cidade imunda, pobre e sem nenhuma importância? É... negócios, negócios e mais negócios; é a única coisa que me prende a este lugar. Mas, diga-me, ó queridíssima Virgem Maria, quais são os meus grandes pecados – os quais, sinceramente, não acredito possuirque tanto me penalizam? Sinto falta de meus humildes passeios pela Europa, com muitas, realmente muitas, lindas e caras mulheres. Perco, portanto, as grandiosas visitas pela amada França (J'adore Paris!); o adocicado ar inglês; as infinitas noites de Amsterdã. Ah... saudade. Sim, estou saudoso em relação ao primeiro mundo; meu, de fato, verdadeiro mundo. Mas, enquanto sonho, aturo o ódio pelo desencantador carnaval da Bahia. Aliás, para ser ainda mais exato, refiro-me à medíocre festa dionisíaca de Salvador. Isso. Aquela festa (des)animadora, onde milhares de pessoas pulam feito macacos-robôs, prontos para sofrer as conseqüências da estupidez de juntar toda uma cidade para, estupidamente – é bom frisar, novamente –, seguir outro macaco cantante em cima de um caminhão luminoso (ou trio-elétrico, como queira).

Estou, agora, num dos meus amplos apartamentos. Quatro quartos (suítes, claro), cobertura com piscina privativa, salão de visitas, sala de estar e sala de jantar, e, mais importante, uma bela varanda, onde passo várias noites em claro, com o notebook na mão, trabalhando até adormecer, ali mesmo, banhado pelo luar. É, definitivamente, o melhor lugar da casa, até que venha o inferno carnavalesco. Decidi comprar um apartamento com vista – privilegiada, segundo o corretorpara o circuito Barra-Ondina. Portanto, entendo o tédio da festa soteropolitana como, apenas, uma obrigação anual.

Admito, porém, divertir-me em alguns momentos. Estando no alto, tenho uma vista privilegiada, abrangendo toda a multidão da rua principal. Uma bela visão do inferno. Assim, sentia-me um ser infeliz o suficiente para ter um binóculo que pudesse aproximar o necessário para, se quiser, ver até as pernas de Ivete Sangalo – nesse caso, visão dos céus. No entanto, o mais intrigante era capturar imagens de cenas – embaladas com o espírito de luxúria promovido pelas músicas, no mínimo, eróticas – de sexo explícito e, ao mesmo tempo, disfarçado pelo tumulto dos mijados becos de Ondina. Ou, ainda, achar grupos animadinhos fazendo belas orgias carnavalescas. Um nojo total, que, muitas vezes, faz-me rir incontrolavelmente. Rir da imbecilidade das massas, da aculturação geral, dos analfabetos dançantes, de todo o povão carregado pelo show dos ricos para os pobres. Ou, como é mais irônico e estúpidosim, não canso dessa palavra –, o show dos ricos para os aspirantes a ricos, mais conhecidos como classe média. Isso, aqueles que tem nojo e medo dos que estão do outro lado da corda; aqueles mocinhos e aquelas mocinhas de abadá colorido, saltitantes e felizes por estarem do lado dos endinheirados por 10 vezes sem juros. Macacos. Lindos macacos que me fazem rico e risonho, vendo tudo do alto, como Deus a ver seus filhos no inferno.

Triiin... triin...

– Alô.

Chefe, todos os abadás, para todos os dias, foram vendidos.

– De todos meus blocos?

Sim. E as entradas dos camarotes também esgotaram. Sinal de muito lucro esse ano.

Macacos. Belos macacos.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Asas para os sonhos

Papai, quero voar.

Querida, crianças não voam.

– E pais, voam?

Não, filhinha, pais também não voam. Mas posso te levar num avião, que nos deixa viajar pelo ar. Nele, nós não voamos; ele apenas nos leva pro ar.

Não é isso, você não entendeu. Eu quero voar sozinha, com minhas próprias asas.

Filha, crianças não têm asas.

Essa era Dina, uma criança de cinco anos, amável e sonhadora como qualquer criança de cinco anos; porém, mais sonha do que vive, mais imagina do que toca, mais fecha os olhos do que os abre, diferente de muitas crianças de cinco anos. Olhos castanhos, boca miúda, bochechas visivelmente grandes, pele escura, combinando com seus cachos pretos reluzentes, fazem-na bela e, principalmente, angelical.

Papai, anjinhos voam, não voam?

– Se existissem, voariam.

– E se eu fosse uma anjinha, poderia voar?

Mas você não é anjo, querida.

Do peitoral da janela, abraçada a seu preferido urso de pelúcia, vislumbrava-se com os pousos e decolagens de diversos pássaros, apesar da feiúra urbana, para, assim, imaginar-se imitando-os, batendo asas, subindo, devagar, até alcançar pleno vôo, sentindo nuvens, pegando ora na lua, ora no sol. Ela quer voar, assim como voa o pombo, o passarinho amarelo de bico estranho, o balão que passa longe, o avião que faz barulho ou, ainda, como o anjinho que não existe. Mas, seria possível, em um dia qualquer desses, acordar com asas? Seria um fato insólito, absolutamente inimaginávelpara adultos, apenas. Para uma criança, seria imaginável. Para Dina, algo plenamente realizável e, inclusive, esperado. “Um dia acordarei com asas, pronta pra voar”, sempre dizia. Pensava em asas brancas, feitas de penas, assim como os pássaros, e bem maior que a deles, claro, calculando-se a proporcionalidade dos corpos em relação ao seu equipamento biológico de vôo. Estimava-se, portanto, um comprimento ideal para seu porte diminuto de criança, porém maior do que muitos seres da natureza que voam por . No entanto, acabava-se por não decidir se as asas surgiriam por cima dos braços, encobrindo-os, como uma fantasia para apresentação escolar, ou se eles seriam substituídos totalmente, evidenciando-se uma boa metamorfose infantil.

Mamãe, quando eu acordar com asas, quer voar comigo?

Mas, amorzinho, não seria muito perigoso sair por voando?

Não, não. Perigoso é ficar no chão.

Dina persistia. Todos os dias, dormia pensando em voar, em acordar capaz de ganhar os céus, fugir do quarto apertado e ser livre para bater suas asas. Para ela, bastava acreditar. E, por isso, conseguiu. Um dia desses qualquerafinal, para crianças o tempo não é austero, portanto, o dia da semana não tem importância –, ao despertar, com o sol recente brilhando na janela, Dina acordou mais pesada do que o costume. Carregava, como parte inseparável do corpo, um belo conjunto de asas; brancas, feitas de penas e do tamanho exato para sua estatura, do jeito que imaginara. Ainda deitada, admirava, olhando para os lados, seus braços que foram transformados em graciosas ferramentas de vôo, baseadas na melhor tecnologia possível: a natureza. Mas, apesar da empolgação, teve um pouco de trabalho para se levantar, que não tinha mais a facilidade das mãos e dedos. Portanto, foi, aos poucos, movimentando as pernas, até alcançar o fim da pequena cama e, assim, colocar-se de . Depois, correu para o espelho mais próximo, vendo o que sua imaginação havia, de verdade, criado. Foi impossível não abrir um grande sorriso ao ver-se igual a um pássaro, dono do céu, da lua, do sol e das estrelas. Suas bochechas coraram, os olhos mostravam-se mais brilhantes do que qualquer luz de luar, traduzindo a felicidade em apenas um rosto infantil.

Porém, surgia um problema. A janela de seu quarto era muito pequena para uma menina-pássaro e, além disso, era toda gradeada. Dali, portanto, era impossível levantar vôo. Por isso, teve a idéia de caminhar até a varanda da sala, grande o suficiente para batida de asas. Como papai disse que crianças não voam e mamãe acha perigoso, Dina não quis convidá-los nem para assistir à decolagem, tendo cuidado de não fazer muito barulho ao caminhar pela casa. Séria fácil para crianças normais, mas não para as que têm asas. Estas, ousavam esbarrar-se nos móveis, quadros, peças decorativas, livros, tudo o que poderia chamar atenção ao cair no chão. O carpete, no entanto, colocado em todo corredor, auxiliou no amortecimento das quedas, evitando aparições adultas a estragar a bela cena com seus olhares incrédulos. Assim, foi possível chegar à varanda.

Neste dia, o vento estava ameno, como que dando boas vindas à nova aventureira dos ares, a qual posicionava-se animadamente para a decolagem. Bastaria bater asas para ver seu sonho realizado. Respirou fundo e começou. Na primeira tentativa, saiu apenas um palmo do chão. Precisava bater mais forte, continuamente, imaginou. Foi assim que fez, e foi assim que conseguiu voar pela primeira vez. Subiu muito rápido, deixando para trás os edifícios da cidade, até conseguir estabilizar o vôo, mantendo uma boa altura. Conseguia, dessa forma, chegar bem perto de grupos de pássaros, provavelmente migratórios, os quais assustaram-se de início com a presença da menina, para, em seguida, praticamente aceitá-la no grupo. Nem os animais resistem a um afeto infantil.

Depois, pensou se seria possível, assim como nos sonhos, alcançar o sol, a lua ou as estrelas. Reparou que, mesmo no céu, era difícil pegar qualquer estrelinha que fosse, grande ou pequena, brilhante ou não. Talvez, conhecendo melhor o mundo aéreo, possa encontrar um dia o caminho para os imponentes astros.

Dessa forma, portanto, Dina passou toda a manhã, alcançando lugares distantes, todos vistos por cima, num ar de superioridade; até aparecer o inesperado. Havia alguém, além dela, a voar por . E não eram animais como as gaivotas ou os pombos, ou, muito menos, aviões inesperados. Era, aparentemente, um menino de asas, assim como ela, buscando os céus. Quem seria? Ele era muito branquinho, olhos azuis, cabelos loiros e encaracolados, tão pequeno e baixinho como Dina. Um anjinho desgarrado, fugitivo? Falaria a mesma língua?

Você é um anjinho?

Não. Sou criança, assim como você. Sonhava em ter, um dia, asas para voar e ser feliz descobrindo os céus.

Eu também! Todo dia, ao dormir, pensava em acordar transformada em um passarinho, pronto pra decolar.

Você tem cinco anos, igual a mim?

Isso, uma mão inteirinha de dedos.

– E, além de nós, quantas pessoas mais podem voar?

Até agora, vi apenas alguns poucos, sempre meninos ou meninas.

Então, apenas crianças podem ter asas para voar?

– Acho que sim.

– E por qual motivo os adultos não conseguem asas?

Eles são presos ao chão, não conseguem sonhar de verdade; acham que tudo o que vêem é real, que esse mundo existe de verdade.

Coitados.

Os dois, juntos, bateram asas e voaram para o sol.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Aquele dia em que fui abduzida

pode falar?

Calma, isso é uma entrevista. Eu faço as perguntas, você responde.

Tudo bem.

A senhora diz ter sido abduzida por extraterrestres.

Exato.

– Conte, então, essa sua experiência.

Eu estava tranqüila, descansando em meu apartamento, quando me liga um antigo namorado, daqueles que você conhece nas festinhas dos amigos (ai, como é bom relembrar os tempos de mocinha recatada). Ele propôs uma viagem sem rumo; uma proposta bem indecorosa pra mim, uma quarentona, solteira, que vive isolada em seu apartamento quarto e sala. Seria bom mudar a rotina um dia, não é verdade? Eu, de mochilinha nas costas, parecendo uma menina colegial indo pra sua primeira aventura com o namoradinho novo. Era assim que eu me sentia. Ele apareceu de camisa floral, aberta, mostrando seu belo peitoral cabeludo, gel no cabelo, formando um topete invejável, e, ainda, uma bermuda de surfista garotão. Tava um gato! Fiquei tão maravilhada que nem notei seu Uno Mile de lateral amassada e maçaneta quebrada. Imagine, a porta ficava fechada com um arame ridículo preso a ela.

– Vamos direto ao assunto?

Tudo bem. Então, pegamos a Estrada do Côco, viajando totalmente sem imaginar onde iríamos parar, até a gente ver uma placa escrito “Massarandupió”. “Esse não é aquele lugar onde tem praia de nudismo?”, ele me perguntou. Respondi que sim, era ali mesmo. Tremi. Pensei que ele queria ir ; imagina, eu morreria de vergonha. Mas ele disse assim: “Isso me deu uma boa idéia. Vamos procurar uma praia deserta, pra praticarmos nudismo, nós dois”. eu tremi de verdade. Que descarado! Mas, no fundo, eu tinha adorado a idéia. Dirigimos mais alguns quilômetros, até ele virar, sem avisar, numa estradinha de terra, sem placa indicando nada. Mais adiante, havia uma cerca de propriedade particular meio caída. Ele, com tudo, passou por cima. Chegamos, enfim, a uma praia. Totalmente deserta, como ele queria. Tirou da mala um monte de trambolho e disse: “Vamos montar uma barraca”. Ficamos duas horas, no meio do nada, montando a maldita barraca, comprada em qualquer buraco , sem nem sequer um manual de instruções decente. Bem, passando esse estresse, fizemos um acordo de passar esse dia e o próximo de forma naturalista, ou seja, sem roupa alguma. Fiquei tão animada com a idéia que minha timidez sumiu, e, assim, fui tomar um banho de mar delicioso, totalmente pelada. Esqueci minhas celulites, meus peitos meio caídos, pequenas banhas pulando de todos os lados. Tava me sentindo uma coroa gostosona!

– E os alienígenas, senhora, onde estavam?

Isso aconteceu pela noite, quando íamos dormir.

Claro, coisas sobrenaturais acontecem apenas à noite.

Isso eu não sei, mas comigo foi na escuridão total, às duas da manhã. Estávamos dormindo, quando ouvi um barulho estranho fora da barraca, parecendo algum tipo de sirene. Meu parceiro nem se mexeu, ficou ali roncando feito um animal. Tava com medo, mas resolvi sair pra verificar. Não achei nada pra me cobrir, então saí como estava, toda exposta.

Quer dizer, então, que a senhora foi abduzida pelada?

Exatamente. Saí da barraca, mas não conseguia enxergar nada; não havia nenhuma luz, em lugar algum. Comecei, então, a gritar, perguntando se tinha alguém por perto. Nenhuma resposta. Tentei de novo, mas continuei ouvindo apenas o sopro do vento. Fui, devagar, voltando pra barraca, morrendo de medo, até perceber que não havia ninguém dentro e, muito menos, alguma coisa. Tudo sumiu. Meu ex-namorado, minhas roupas, mochila, carteira, celular, óculos; nada sobrou. Aliás, sobraram eu e a barraca, apenas. Foi quando, vinda do céu, uma forte claridade me fez fechar os olhos. Depois, apaguei completamente.

Então, tinha um disco voador bem em cima de você?

– Provavelmente, né? Se não, como teriam me sugado pra cima?

– Continue.

Quando acordei, ainda zonza, percebi estar num local estranho, muito metalizado e cheio de luzes piscantes. Eu tava no chão, imobilizada apesar de nenhuma corda a me amarrar e, ainda, com uma dor de cabeça terrível. Fiquei olhando em volta, até enxergar alguém (ou algo). Assim, eu vi um alienígena. Apesar dos três olhos e pele verde, lembrava um humano. E, ainda, parecia estar pelado, que eu via, no meio do corpo, algo parecido com um pênis. Foi que me assustei ainda mais, vendo a criatura se aproximar e se encostar em mim, como se fosse um homem atrás de sexo.

Quer dizer que o alienígena abusou sexualmente de você?

Isso! Eu fui estuprada por uma criatura verde e gosmenta!

– E o que aconteceu depois?

Ele, ou aquilo, me colocou num aparelho enorme, parecendo um elevador gigante em formato de cilindro. Depois, jogou em mim um líquido estranho, parecendo óleo de cozinha, mas mais viscoso. Fechou todo o aparelho e sumiu. Passados alguns minutos, tudo começou a sacudir, uma luz forte apareceu, fazendo aumentar minha dor de cabeça e tontura. Desmaiei e não vi mais nada. pela manhã, quando acordei, estava de volta à mesma praia de antes. Entrei em desespero e saí feito uma louca, procurando algum lugar seguro, com vida humana por perto.

– Foi, então, por isso que te viram correndo pelada e gritando num povoado ali perto?

Por isso mesmo.

Mas, o que justifica o seu namorado morto encontrado na praia?

– Foram os alienígenas! Eles o mataram!

Última pergunta: como a senhora se sente presa, indiciada por homicídio?

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Alguém, por favor, pode chamar o Capitão Nascimento?

Eu estava amarrada, amordaçada e, ainda, presa na mala de meu próprio carro. É, inteiramente no escuro e refém dentro de meu Audi A4. Isso! Meu carrinho importado, caro, comprado com o suor do santo trabalho de meu marido deputado, vai ser roubado por esses ignorantes, sujos e mal-educados. Além disso, fui obrigadadesumanamente – a tirar todas minhas jóias de ouro, meus lindos sapados vermelhos Prada (última coleção!) e minha bolsa Louis Vuitton, e, até, sujaram meu precioso vestido Roberto Cavalli. Seria tudo isso justo? Uma mulher de família, da “high society”, educada nos melhores e mais caros colégios de Brasília, obrigada a se submeter a marginais quaisquer, depois de um cansativo dia de compras no shopping.

– Ô, madame, se fica quietinha , porque a gente vamo pará daqui a pouco.

Onde se viu, falar tão errado assim? O problema desse país é a educação! Umas boas porradas educava muitos desses bandidos. Depois dizem que a culpa é do rico, da desigualdade social... Mas que nada! Esses vagabundos não querem saber de trabalhar, se amontoam naquelas imundícies de favela e, ainda por cima, acham que tem direito a tudo.

– Fazemo o que com a mulé?

Mata.

– Tá doido das idéa? E o deputadozinho de merda marido dela? Vamo aproveitar.

– Tem grana?

– Tá é cheio. num assiste o Boni não, do jornal? Os político são tudo bandido, que nem nóis. É, mas é bandido grã-fino, cheio dos terno. E, sabe como chamam eles? A elite brasileira. Tudo barão que tem nojo de povo. Mas eu acho que é medo, de ficar pobre que nem nóis. Por isso foge, faz muro alto, compra esses carro que tem vidro que não fura com bala.

Então, é essa elite que comanda o país?

– É.

– Tamo fudido.